Se metade das pequenas e médias propriedades pecuárias brasileiras produzissem gás a partir de resíduos orgânicos, se obteria uma economia total de 1,45 bilhões de reais anualmente. Esse é o valor que 504 mil fazendas, metade das que mantêm entre 10 e 100 cabeças de gado, economizariam ao deixar de comprar o botijão de gás liquefeito de petróleo (GLP).
Além disso, o impacto ambiental seria especial: 595,2 mil toneladas de dióxido de carbono (CO2) equivalente deixariam de ser emitidas a cada ano. Essa redução prevê a substituição de um combustível fóssil (GLP) por outra fonte renovável, o biogás. As estimativas são de um estudo realizado por pesquisadores da Embrapa Agroenergia (DF), a partir de dados coletados de um biodigestor instalado em caráter experimental em uma propriedade em Luziânia (GO). Os dados estão publicados neste artigo.
Para esse trabalho, os cientistas utilizaram o RenovaCalc, ferramenta desenvolvida pela Embrapa Meio Ambiente).ANP pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (disponibilizada gratuitamente), e é MME, uma das autoras do artigo. O RenovaCalc é utilizado pelo Renovabio, programa federal de incentivo ao uso de biocombustíveis coordenado pelo Ministério de Minas e Energia (Rosana Guiducci que calcula a intensidade de carbono equivalente emitida por biocombustíveis. “A metodologia se baseia nos inventários de Avaliação do Custo de Vida (ACV) de cada rota de biocombustível e emprego de métodos reconhecidos internacionalmente”, relata a pesquisadora
A RenovaCalc apontou que o biogás libera 83,11 gramas de CO2 equivalente para cada megajoule (unidade de energia) produzido, enquanto o combustível fóssil substituto, GLP, libera 86,7 gramas na mesma função. A diferença entre esses números foi usada para calcular a quantidade de CO2 que deixaria de ser emitida se pouco mais de 500 mil propriedades substituíram o GLP pelo biogás: 595,2 mil toneladas por ano.
A equipe tomou como base dados obtidos em uma instalação-piloto de biodigestor feita no início deste ano, na propriedade de Benedito Bento Gonçalves da Cruz, no município de Luziânia (GO), que mantém cerca de 60 cabeças de gado leiteiro (vídeo abaixo). Após três meses, a produção de biogás foi estabilizada e a família do produtor desenvolveu o biogás na cozinha, deixando de utilizar o botijão de GLP. A partir daí, os pesquisadores puderam estimar a produção média para que um estabelecimento rural pudesse substituir uma quantidade equivalente a dois botijões por mês.
“Fertilizante orgânico”
O biodigestor ainda gera um subproduto importante: o digestato, efluente resultante da digestão anaeróbica feita por bactérias no interior do equipamento. O digestato pode ser utilizado como matéria-prima para a formulação de fertilizantes e pode ser aproveitado na mão de obra da própria fazenda. O digestato ainda é protetor para ser usado em cultivos orgânicos, pois é livre de aditivos químicos. Dessa forma, você pode reduzir os impactos ambientais pela diminuição do uso de fertilizantes eficientes. Os pesquisadores ressalvaram, porém, que ele não é recomendado para o uso direto em hortaliças.
Para o produtor que participou dos experimentos, os ganhos com o biodigestor foram grandes. “Só vi vantagens, além de economizar no botijão de gás, ainda produz o adubo [digestato] para jogar nas plantas”, relata Cruz. Ele frisa que o manejo dos animais não sofreu grandes alterações. “Só mudou o modo de lavar o curral, um trabalho que eu já fazia todos os dias”, conta. Os detritos dos animais devem ser coletados sem o uso de sabão ou outros produtos químicos, a fim de preservar as bactérias que irão executar a digestão do material e gerar o gás.
Em busca de parceiro
Cruz recebeu a primeira de três instalações experimentais que o projeto de pesquisa pretende instalar. O segundo biodigestor, também em Luziânia, começou a operar em novembro e um terceiro irá operar ainda no primeiro semestre de 2024. “Até o fim de outubro de 2024, planejamos ter o protótipo validado. Assim, abrimos uma parceria com a iniciativa privada interessada em códigosenvolver o biodigestor [veja quadro abaixo]”, revela a pesquisadora Itânia Pinheiro Soares, que coordena o projeto de pesquisa.
Ela relata que os maiores desafios desse desenvolvimento são as adaptações feitas de peças convencionais. “Caixas d’água e algumas conexões, por exemplo, poderiam ser compensadas por já estruturas construídas para a específica do biodigestor, o que facilitaria o trabalho, problemas operacionais. Daí a importância de termos um parceiro codesenvolvedor do ramo”, explica Soares.
Uma pesquisadora conta que a demanda veio da Cooperativa Mista da Agricultura Familiar, do Meio Ambiente e da Cultura do Brasil (Coopindaiá), preocupada em dar um destino adequado aos projetos animais, um passivo ambiental comum na pecuária leiteira, principal atividade dos membros da cooperativa. O cientista informa, ainda, que já há uma iniciativa de parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) para capacitar produtores específicos em tecnologia.
Seja um parceiro da EmbrapaCaso sua empresa tenha interesse em códigosenvolver o biodigestor para pequenas propriedades, entre em contato pelo e-mail: cnpae.sipt@embrapa.br. Outras tecnologias e oportunidades de parcerias podem ser acessadas na Vitrine Tecnológica, na página de inovação da Embrapa Agroenergia. |
Ainda sem um valor de custo final para o biodigestor, os pesquisadores estimam que o sistema deva ficar em torno de 10 mil reais e acreditam que o sucesso de Benedito Cruz poderá ser replicado por muitos outros bovinocultores de pequeno e médio porte. Para isso, eles recomendam políticas públicas para o incentivo da adoção da tecnologia por pequenos produtores. “Além do subsídio à aquisição do equipamento, seria fundamental que essas políticas envolvessem a assistência técnica intensiva no início da produção do biogás”, recomenda Guiducci. “É preciso ter em mente que se trata de uma tecnologia nova para o pequeno produtor, que precisa de algum tempo para se adaptar”, justifica. Por outro lado, a pesquisadora acredita que, após sua adoção, o bovinocultor verá que a manutenção é fácil e logo se acostumará ao processo de gerar a própria energia.
(Embrapa Agroenergia)