Teve recepção bastante positiva junto a sociedade sul-mato-grossense a chamada Lei do Pantanal, na verdade ainda um Projeto de Lei de autoria do Poder Executivo que foi apresentado e debatido em audiência pública realizada na Assembleia Legislativa. A audiência foi convocada pela Comissão Permanente de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e contou com a presença de parlamentares, representantes dos Ministérios Públicos Federal e Estadual, entidades civil e organismos ambientais.
A apresentação do projeto de lei foi feita pelo secretário executivo de Meio Ambiente da Secretaria de Meio Ambiente do Governo, Artur Falcette Falcette. Ele apresentou, com detalhes o projeto de lei. Ressaltou que se trata de um trabalho intenso e exaustivo, conduzido por um Grupo de Trabalho nomeado pelo Ministério do Meio Ambiente que fez quatro reuniões presenciais e inúmeros encontros e contatos virtuais para acertar detalhes. Foram ouvidos representantes de organizações não governamentais, produtores rurais, órgãos ambientais estadual e federal, instituições de pesquisa como a Embrapa e entidades representativas das comunidades que habitam o Pantanal.
“O projeto resultou de um processo intenso e cuidadoso de consenso e equilíbrio. Trata-se de um tema complexo que não pode ser discutido de forma superficial, tampouco passional. Nesse processo, que traz a ciência para dentro do projeto, quem ganha não é A nem B. Quem ganha é o Pantanal”, disse Falcette.
Em nove das 20 páginas, a redação do projeto faz uma extensa definição de termos, atividades e aspectos geográficos próprios do Pantanal, que, segundo Falcette, são fundamentais para direcionar as normativas que se seguem. Importante ressaltar que o projeto se destina a regulamentar o Artigo 10 do Código Florestal Brasileiro, atendo-se, portanto, apenas à planície pantaneira. A definição geográfica da Área de Uso Restrito Pantaneira orienta-se pelos limites delineados no mapa de 2019 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), excetuando as áreas urbanas.
Proteção
Em relação ao regramento anterior, o projeto inova ao focar nos pontos sensíveis que, na avaliação técnica, carecem de proteção. Dessa forma, define como APPs (áreas de proteção permanente) os landis, as salinas, as veredas e os meandros abandonados (espécies de ilhas por onde passavam rios e que, com a mudança de curso, ficaram cercadas por água). Todas essas formações geográficas passam a ser protegidas, inclusive em seu entorno. É permitido, entretanto, a atividade da pecuária extensiva nessas áreas, desde que não provoquem nenhum tipo de degradação ambiental.
Capões e cordilheiras recebem proteção especial de 80% da área coberta com vegetação arbórea-arbustiva. Com relação à reserva legal – a área que o proprietário deve preservar de seu imóvel – prioriza-se a formação de corredores ecológicos, interligando as áreas de diversas propriedades para criar ambientes ecossistêmicos preservados à vida silvestre.
Vedações
O projeto veda o plantio de soja, cana-de-açúcar, eucalipto e quaisquer outras culturas exóticas ao meio, excetuando apenas àquelas áreas em que já está consolidado o plantio, que não poderão ser ampliadas nem rotacionadas e dependerão de licenciamento ambiental para o replantio. Falcette afirmou que, dos 9 milhões de hectares que compõem a planície pantaneira, cerca de 2,8 mil estão, atualmente, ocupados com soja, o que representa um percentual muito pequeno. Também estão fora da proibição o cultivo de gêneros alimentícios por agricultores familiares e de culturas não destinadas ao comércio, como forrageiras para o gado.
O licenciamento ambiental fica mais rigoroso com a exigência do EIA/RIMA (Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental) para áreas a partir de 500 hectares. O projeto veda, também, a instalação de PCHs (pequenas centrais hidrelétricas) e de novas carvoarias, sendo que as já existentes funcionarão apenas até o fim da vigência da licença ambiental atual. Da mesma forma, está proibido construir diques, barragens e drenos na Área de Uso Restrito do Pantanal.
Fundo e PSA
Ao mesmo tempo em que traz um leque de vedações e restrições, sempre visando ampliar a conservação ambiental, o projeto acena com incentivos aos proprietários que agem em conformidade e ampliam as ações de proteção ao ecossistema. Falcette afirmou que o Fundo Clima Pantanal, criado pelo projeto, deve nascer com um aporte de R$ 40 a R$ 50 milhões. O fundo tem como objetivo promover o desenvolvimento sustentável do bioma Pantanal e possibilitar as gestões financeiras destinadas ao fomento de Programas de Pagamento por Serviços Ambientais.
O fundo terá diversas fontes de recursos, incluindo emendas parlamentares, multas ambientais, aportes do Poder Executivo, repasses de outros fundos e verbas captadas em instituições multilaterais, bilaterais e entidades de governos subnacionais. “Esse conjunto novo de restrições, ao passo que, na outra ponta o Fundo e outros incentivos, o somatório disso é o que garante a conservação do Pantanal”, resumiu Falcette.
Reações positivas
As primeiras reações dos parlamentares, autoridades e representantes de entidades de classe e organizações ambientais presentes apontam para o êxito do esforço empreendido pelo Grupo de Trabalho na elaboração de um projeto que representasse o consenso. “Eu gostaria de agradecer e dizer que me sinto orgulhoso de fazer parte deste momento da história de Mato Grosso do Sul e da Assembleia Legislativa”, expressou o presidente do Legislativo, deputado Gerson Claro.
O promotor de Justiça do Ministério Público Estadual, Luiz Antonio Freitas de Almeida, parabenizou a iniciativa de proibir monocultura no Pantanal, uma das principais recomendações da instituição. O procurador da República Pedro Paulo Gonçalves de Oliveira lamentou o fato de não haver uma lei federal que tratasse o Pantanal como um todo (sul e norte), mas na ausência, também considerou positiva a iniciativa do Estado de legislar a respeito. “É um avanço significativo, sem dúvida nenhuma”.
O presidente do Instituto Taquari Vivo, Renato Roscoe, ressaltou que o projeto resulta de “um processo muito maduro de discussão, o que facilita um pouco o trabalho da Assembleia, embora não limite”, e chamou a atenção para um princípio importante da lei: “preservar o Pantanal, mas com a atividade econômica sendo desenvolvida lá de forma sustentável, que é a pecuária extensiva”. Representando a Ecoa, André Luís, entende que a lei deva ampliar no que diz respeito ao setor pesqueiro; Gilson Barros, presidente do Sindicato Rural de Corumbá, lembrou que não se fala em “recuperação”, mas “conservação” do Pantanal, e isso deve ser creditado ao homem pantaneiro que fez isso sem ter sido obrigado, mas movido por uma “cultura pantaneira”. Ele frisou que na elaboração do projeto, todos tiveram que ceder para se chegar ao consenso, portanto esse ponto precisa ser considerado.
O público encaminhou perguntas por escrito para a mesa, que foram todas respondidas. A audiência se estendeu por quatro horas e o auditório principal da Assembleia esteve lotado durante todo esse período, o que demonstra a importância que o assunto suscita. O presidente da Assembleia acredita que o projeto seja aprovado até o fim dos trabalhos legislativos desse ano, previsto para o dia 20 de dezembro.