Ecossistemas serão perdidos se restauração continuar nos moldes atuais

Cientistas brasileiros de diferentes instituições de pesquisa lançaram um alerta na última quinta-feira (25): a forma como a restauração de áreas degradadas vem sendo feita no Brasil representa um risco potencial aos ecossistemas. A advertência foi publicada na revista científica Science.

“A restauração não pode ser vista puramente como o esverdeamento de uma área. Da forma como a restauração de áreas degradadas vem sendo feita no Brasil, perderemos os ecossistemas como os conhecemos hoje”, dizem os pesquisadores.

Isso acontece, argumentam, porque os projetos em curso têm utilizado um padrão único para todo tipo de ecossistemas, com pouca atenção para a diversidade local de espécies, tornando “homogêneas” áreas que antes eram biodiversas. Com isso, mesmo que restauradas, tais áreas não conseguem reproduzir as condições próximas que existiam nesses locais antes da degradação.

Em entrevista a ((o))eco, Michele de Sá Dechoum, pesquisadora do Departamento de Ecologia e Zoologia da Universidade de Santa Catarina e uma das autoras da carta, explica que as espécies que atualmente são escolhidas para a restauração são aquelas que germinam rápido e, sobretudo, que estão disponíveis em viveiros, em detrimento da heterogeneidade ambiental que o local necessitaria.

“A variabilidade genética do local é muito pouco considerada nas iniciativas de restauração que a gente vê acontecendo no Brasil hoje […] Muitas vezes se usa super-espécies que são invasoras, inclusive, que se adaptam a qualquer condição, mas que na verdade, não vão restaurar nada, só vão homogeneizar aquele sistema”, explica.

Um exemplo dessas superespécies invasoras é a leucena (Leucena leucocephala), nativa do norte da América Central que hoje é comumente usada em projetos de reflorestamento pelo Brasil, em diferentes biomas. A leucena foi considerada pela União Internacional pela Conservação da Natureza (IUCN) como uma das 100 piores espécies invasoras do mundo.

A restauração ideal

O agravamento da crise climática e da perda de biodiversidade ao redor do globo trouxe à tona a necessidade de restauração de ecossistemas, tanto que a ONU declarou esta como a Década da Restauração.

Nos últimos anos, diferentes iniciativas foram lançadas no Brasil e no mundo. Entre elas está o chamado “Arco da Restauração da Amazônia”, que pretende restaurar 6 milhões de hectares nas áreas hoje mais degradadas do bioma e para o qual serão destinados R$ 1 bilhão, segundo anúncio feito pelo BNDES em dezembro passado, durante a Conferência do Clima da ONU em Dubai.

Segundo os autores da carta publicada na Science, o ideal seria que este e demais projetos de restauração ao redor do globo fossem “heterogeneos”. Isto é, alicerçados na riqueza genética do local em que o projeto é realizado.

Uma das estratégias apontada pelos pesquisadores é o uso de “ecossistemas de referências”, que seriam áreas nativas próximas aos locais que se pretende restaurar e que podem fornecer informações importantes para guiar a restauração. “Elas funcionam como espelhos para guiar todo o processo e, ainda, fornecem sementes, polinizadores e dispersores de sementes durante a restauração”, dizem.

Michele de Sá Dechoum destaca outras duas medidas para garantir essa heterogeneidade: a eliminação de fatores de degradação e o fomento à capacitação de pessoal para o trabalho.

“Muitas vezes, em restauração, a gente tem só esse foco para plantio de muda, plantio de muda, plantio de muda…Mas essa não é, necessariamente, a única técnica que gera bons resultados. Se você tirar um fator de degradação, como uma espécie invasora, por exemplo, e tiver uma boa área de referência no entorno, a restauração pode acontecer por si só”, disse, a ((o))eco.

“Poderíamos ter também editais que fomentassem a formação de pessoas, cursos de capacitação para a atuação em restauração, para ensinar a marcar matrizes, por exemplo, para coletar sementes. A restauração também precisa ser algo que possa gerar empregos, gerar renda”, complementa a pesquisadora da UFSC.

Os autores da carta publicada na Science fazem parte do Centro de Desenvolvimento em Biodiversidade, realizado dentro do Programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT), que articula e agrega os melhores grupos de pesquisa em áreas estratégicas no país.

Cristiane Prizibisczki
Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido)

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