Aviturismo na Rota Bioceânica – Diversidade natural da região garante diversão com observação de aves

O Instituto Mamede Pesquisa Ambiental e Ecoturismo, de Campo Grande- MS, realizou a Expedição Birding pela Rota de Integração Latino-Americana – Rota Bioceânica, no trecho mesclado por Cerrado, Pantanal e Chaco entre Mato Grosso do Sul e Filadelfia (Paraguai), num percurso de mais de 2.200 quilômetros de carro. A região rica e com potencial para ecoturismo e a observação de aves, práticas alternativas de uso sustentável da biodiversidade. “Uma viagem cheia de encantos e reflexões de tirar o fôlego”, relatam Simone Mamede, turismóloga, bióloga e educadora ambiental, e Maristela Benites, bióloga, ornitóloga, educadora ambiental e guia de turismo na América do Sul. Elas formam a equipe de especialistas em observação de aves/birdwatching do Instituto Mamede e conduziram a Expedição Birding.

Com duração de quatro dias, o evento contou com a participação de Suzana Arakaki (historiadora, professora universitária, observadora de aves, facilitadora do Clube de Observadores de Aves de Dourados), 64 anos, e Simone Orbieta Arruda (bióloga, observadora de aves, facilitadora do Clube de Observadores de Aves de Dourados), 42. Partindo da Capital, o grupo cruzou a fronteira de balsa pelo Rio Paraguai, em Porto Murtinho.

O percurso entre Campo Grande e Filadélfia compõe rico território em sociobiodiversidade e com alto potencial para a prática do ecoturismo e do turismo de observação da vida silvestre.

O turismo de observação de aves – aviturismo, componente do ecoturismo -, tem sido estudado e divulgado à população, como nos artigos científicos “Turismo de observação de aves no Chaco: oportunidades e desafios ao Corredor Bioceânico, segmento Brasil/Paraguai publicado na  Revista Interações – 2019.

Desmatamento
Durante o trajeto, além das exuberantes paisagens percorridas, o encontro com espécies raras, endêmicas e ameaçadas, conduzem a diversos sentimentos e sensações: a percepção de coexistência, pertencimento à natureza e a corresponsabilidade socioambiental sobre esse território sul-americano, o nosso lar. Lar, este, que está sob constante ameaça, especialmente sob pressão do desmatamento e consequente perda de habitat de diversas espécies nativas.

“A sensação de parecer a última vez de passarmos pelo túnel de sucupiras frondosas na estrada de Nioaque (BR-267), o encontro com três espécies de araras em plena área urbana, o Morrinho cada vez mais cercado por lavouras e as palmeiras butiás dando adeus ao serem substituídas por palmeiras imperiais, ou mesmo, sendo removidas deliberadamente, a ameaça de perda dos últimos remanescentes de Chaco na área urbana de Porto Murtinho pela instalação de portos, mostram o impacto que uma viagem dessas pode causar no viajante, neste exato momento histórico”, relatam Simone e Maristela.

E as aves? São muitas. Mais de 150 espécies foram observadas durante a Expedição. Elas são fruto da interação entre fauna e flora, relevo, solo, água e demais elementos da paisagem, incluindo o ser humano. Para que essas espécies continuem a existir e a encantar moradores e turistas é necessário um esforço mútuo entre os países que integram a Rota, esforço este, que envolva políticas públicas supranacionais para a conservação ambiental do território.

 Capororoca com filhotes. Foto: Suzana Arakaki

 

Simone e Maristela propõem ações desde a criação de Unidades de Conservação/Áreas Protegidas para o Chaco, a promoção da Educação Ambiental e o planejamento territorial sustentável que proteja especialmente os ambientes naturais e valorize as comunidades locais e povos originários.

As aves atestam a saúde do meio ambiente – acrescentam, se os processos naturais estão estabilizados, se estão em desequilíbrio ou se determinado ambiente precisa de intervenção para assegurar conservação. Portanto, quanto mais pessoas estiverem olhando as aves, maior será a conexão com a natureza e sensibilidade de buscar conservá-la. Manter ambientes saudáveis e íntegros na Rota Bioceânica é passo fundamental para garantir vida, coexistência, saúde, bem-estar e uso sustentável da biodiversidade.”

Muito além de integrar povos, nações e facilitar o escoamento de produtos agropecuários ao ligar dois oceanos, esse Corredor pode coexistir e favorecer a vida em suas diversas manifestações. Vem passarinhar na Rota Bioceânica!!

Relatos das integrantes da Expedição:

“Aprender e desfrutar do Chaco foi maravilhoso!”

“Saímos às 2h30 da manhã de Dourados, dia 07/09/23, eu e Suzana, cheias de expectativas com a Expedição Birding na Rota de Integração Latino-Americana, que iniciaria em Campo Grande com as biólogas e pesquisadoras do Instituto Mamede, as queridas Simone Mamede e Maristela Benites. A aventura já havia começado para nós, mal dormimos, mas estávamos animadíssimas.
Às 6h30 da manhã, saímos de Campo Grande rumo à Nioaque, onde registramos nos ocos das palmeiras a arara-vermelha e a grandiosa arara-azul e a arara-canindé (na volta) nas árvores. Vimos também o falcão cauré em sua casinha na árvore da praça. Fez da praça o seu quintal. Aves como o mutum-de-penacho, o aracuã-do-pantanal, a maria-faceira, o gavião-belo e o gavião-do-banhado foram algumas espécies avistadas e listadas até chegarmos em Porto Murtinho. Quando chegamos à cidade, paramos para o almoço em companhia dos cardeais e das rolinhas-picuís”.

Atravessamos o rio Paraguai, de balsa, sendo uma travessia tranquila e encantadora. Após pegarmos o permisso na Migração, adentramos o Chaco paraguaio por Carmelo Peralta e continuamos nos impressionando com as aves como as caturritas e seus enormes ninhos comunitários, gaviões, maguaris, garças, cabeças-secas, curicaca-real. A paisagem já havia mudado desde Porto Murtinho, com vastos carandazais, a vegetação espinhosa e outras árvores cheias de cabeças-secas e garças diversas, nos apresentando impressionantes cenas.

Passamos por Loma Plata e chegamos em Filadelfia, onde nos hospedamos. Antes de descansarmos, formos atrás da tão desejada coruja-do-chaco e ela estava lá nos esperando, como num encontro marcado, para serem contempladas. Eram duas. Foi emocionante conhecê-las. Tranquilas e deslumbrantes, nos observavam também. Depois de quase desistir, consegui a foto que muito queria, Mamede acreditou até o fim.

No dia seguinte, 08/09, no hotel mesmo, fomos privilegiadas com a visita do papa-laranja, tico-tico-rei e o sebinho-de-olho-de-ouro, e pela cidade registramos vários corredores-crestudos, joão-de-barro-de-topete, o pica-pau-de-barriga-preta, a calhandra, o bico-duro, o balança-rabo-de-máscara, o azulão, nada fugia ao olhar apurado de Maristela.

Fomos nas fantásticas salinas de Laguna Capitán, um mar de aves. Eram tantas espécies migratórias que nos deixaram emocionadas: tuiuiús, cabeças-secas, diversos tipos de marrecas, pisa n’água, galinha d’água, maguari, capororoca com os seus filhotes, entre outras e os almejados flamingos. Quanta diversidade convivendo harmonicamente naquele ambiente fantástico. Passaríamos a semana lá, sentadas com o binóculo só admirando e sorrindo, se pudéssemos.

Conheci um Paraguai que eu não imaginava, o Chaco de solo argiloso que quando seco solta um pó que parece um talco e nos envolve como toda a beleza chaquenha. As salinas ficam cheias de aves e quando secam, resta o branco do sal, algo surpreendente. A vegetação arbórea e arbustiva espinhosa e as barrigudas, árvores formidáveis. Quanta beleza esplêndida e vulnerável diante de tanta degradação vista, infelizmente, ao longo do caminho.

De volta ao Brasil, no fim do terceiro dia, pousamos em Porto Murtinho. Mas antes da noite cair, observamos duas corujas jacurutus, imensas e admiráveis, próximas ao porto. Na manhã seguinte, observamos um número formidável de aves, próximo ao porto, em um dos últimos remanescentes de vegetação nativa na cidade: periquitos-de-cabeça-preta, trinca-ferro-gongá, papagaio-verdadeiro, iraúna-de-bico-branco e seu ninho, catatau, asa-de-telha, pica-pau-de-testa-branca, graveteiro, tucanuçu, alegrinho-do-chaco, calhandra-de-três-rabos, entre tantos outros. O que nos deixa evidente a necessidade de conservação do local que é lar de tantos seres indefesos e incríveis.

“Retornamos à Campo Grande, no dia 10/09/23, observando a infinidade de aves pelo caminho, como a viuvinha-de-óculos, espécie desejada pela Suzana. A biodiversidade continuou nos impressionando, o que nos aumenta a certeza da necessidade da conservação do meio ambiente de todas formas que pudermos, pois, a expedição que fizemos foi só uma demonstração de tudo que ainda queremos ver e que esperamos ter tempo para ver antes que acabe.”

“Contemplamos em torno de 150 espécies e o que eu mais tive foram lifers (primeiro encontro com uma ave), muitos eu nem sabiam que existiam. Que doce surpresa conhecê-los! Dias intensos que passaram voando, e sim, totalmente satisfatórios. Que prazer estar na companhia de Simone, Maristela e Suzana, aprendendo e desfrutando do Chaco, foi maravilhoso!”

“O encontro com a coruja-chaquenha, nossa primeira emoção”

Quatro dias, noventa e seis horas dedicados à observação de aves por todos os lugares por onde passamos, a saber: Instituto Mamede, Campo Grande, Sidrolândia, Nioaque, Caracol, Jardim, Guia Lopes da Laguna, Porto Murtinho, Carmelo Peralta, Ruta 15, Loma Plata, Filadelfia, Laguna Capitán, não necessariamente nessa ordem…

Até mesmo no quarto de hotel da cidade de Filadélfia, observamos as aves pintadas nos quadros. No primeiro dia, um casal de curicaca-real passou a noite toda conosco; no segundo dia, já em outra acomodação, tinha um quadro com lago. Minha vista não visualizou a ave, mas tenho certeza de que tinha um pernilongo-de-costas-brancas nele…

Voltando ao início, saindo de Dourados, na madrugada do dia 7 de setembro, eu e Simone Arruda, encontramos Maristela Benites e Simone Mamede no Instituto Mamede, e ali mesmo começamos nossa primeira observação de aves da expedição. Nos deparamos com o casal de choca-barrada se revezando no ninho, além de inúmeras outras aves que circulam naquela pequena florestinha encantada, além das aves que atravessam o espaço aéreo do Instituto, e foram muitas…

Pegando a estrada, fomos observando aves por todas as rodovias. Nos detivemos em Nioaque, Maristela nos levou à praça central da cidade para ver as três espécies de araras: as azuis, vermelhas e as canindés… e anda um casal de falcão cauré que nidificou ali na praça.

Foram quatro dias na estrada, 2,200 km percorridos. Foto: Simone Mamede

Passagem rápida porque era preciso chegar a Porto Murtinho, almoçar e atravessar o rio Paraguai. Em Porto Murtinho almoçamos na dona Ramoninha, quituteira que faz o lambreado mais apetitoso da região. Um prato simples, mas nas mãos de dona Ramoninha, hummm…

Depois do almoço atravessamos o rio Paraguai na balsa do seu Antonio, e já em Carmelo Peralta, solicitamos o permisso para transitar pelo território paraguaio. Adentramos o Chaco. Atravessamos a terra indígena Ayoreo e seguimos pela ruta 15, anotando as aves avistadas ao longo do percurso até chegar em Filadélfia, nosso destino final.

Ao longo da ruta, avistamos muitas aves no que restou das lagoas formadas pelas enchentes do rio. Mesmo com o carro em movimento, foi possível fazer lindas fotos das aves em voo.

Ao final do dia, finalmente chegamos a Filadélfia. Já instaladas no hotel, fomos atrás da coruja-chaquenha. E foi nossa primeira grande emoção nesta expedição. Maristela nos levou ao local de ocorrência da coruja. Já estava escuro, numa estrada de chão, muita poeira… Confesso, não tinha muita esperança de encontrá-la, mas ela estava lá. Elas estavam, era um casal.

Marreca-de-coleira. Foto: Suzana Arakaki

“Suzana, olhe com o binóculo”, disse Maristela. Eu que costumo achar tudo no zoom da câmera, peguei o binóculo sem muito entusiasmo pensando na dificuldade de todas as pedras (lentes) se encontrarem… Mas elas se encontraram rapidinho e eu a vi, ali pertinho de mim, aqueles olhos me fitando… Levei a mão ao peito, sentindo meus batimentos, e fosse criança, talvez tentasse tocá-la… Que emoção indescritível… Saí dali pensando em voltar para vê-la…  Mas havia tantos lugares para ir…

No dia seguinte logo de manhã no pátio do hotel, mais surpresas: e não é que avistamos o sanhaço-papa-laranja, ora, esse bicho não é da Mata Atlântica? Sim, mas também do Chaco… Fomos a localidades próximas atrás de aves desejadas, como o batuqueiro-chaquenho. Avistamos o batuqueiro e muitas outras espécies, um show de lifers…

Nesse dia, soou o primeiro alerta, a vegetação chaquenha está sendo consumida pela rota bioceânica. Vimos uma grande área de vegetação nativa sendo loteada, destinada a empreendimentos imobiliários voltados à rota bioceânica, era o chamariz da placa que identificava o loteamento. Árvores da espécie barriguda a perder de vista sendo derrubadas… fiz alguns registros, não tenho muita esperança, mas espero rever as barrigudas e outras espécies novamente.

“Igualmente, na cidade de Porto Murtinho no Brasil, a vegetação nos arredores do porto em construção, já vem sendo suprimida. O pouco que resta do bioma chaquenho no Brasil, dará lugar às instalações de novos portos. A área do antigo hotel Saladero Cuê é a casa da coruja jacurutu, do gavião-preto, do pica-pau-de-barriga-preta, do pica-pau-de-testa-branca e de tantas outras espécies… Batuqueiro-chaquenho e outras espécies avistadas, fomos dormir ansiosas pensando nas espécies que ainda estavam por avistar em Laguna Capitan, nosso próximo destino.”

Na estrada para Laguna Capitan, encontramos o azulão…pássaro lindo, e arisco…ah se eu acertasse o foco…Laguna Capitan é um paraíso…Flamingos, colhereiros, caraúnas, marrecas… marrecas? No meio daquele mar de aves, Maristela avistou uma única marreca-cricri, espécie que há muito eu queria ver e registrar… Desconfio que Maristela se comunicou com ela: “Fica só mais um dia, a Suzana quer muito te ver…”

É final de temporada nas salinas, as aves estão indo embora para algum outro paraíso. Registramos muitas aves… Era hora de voltar… Que pena, espero reencontrá-las no ano que vem…

Mais informações:
Instituto Mamede

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